por Adélia Borges
Os campos de ação de Mana Bernardes são apresentados neste livro em quatro blocos: Manuscritos, Joias Cotidianas, Experimentos Visuais e Ambientes Pedagógicos. A meu ver, essa divisão corresponde mais à necessidade de organizar e categorizar o universo apresentado – um recurso legítimo e imprescindível em qualquer edição – do que a uma categorização pré-existente.
Em Mana, as várias dimensões se interpenetram e se cruzam o tempo todo. Uma dá sentido à outra, iluminando-a e alimentando-a. Seu trabalho está diretamente ligado à autoexpressão, uma pulsão relacionada à arte. É um extravasar de alma, que ela torna tangível em formas, cores, matérias. E que, por sua vez, muitas vezes podem ter uma ou mais funções de uso, um atributo do design.
Essas coisas variam em escala. Em uma ponta, o micro, estão as joias cotidianas; mas um micro que subjetivamente se avoluma pela proximidade com o corpo de quem as utiliza. A intimidade envolve o relacionamento da matéria com a pele humana. Por serem em geral mutantes, destinadas a serem finalizadas pelo usuário no momento do uso, elas envolvem um relacionamento que vai além do sensorial. São pequenas esculturas que têm no corpo humano o seu suporte (ativo e não passivo).
Na outra ponta, estão as intervenções que se inserem na paisagem urbana. De novo matérias, cores e formas, mas desta vez maiores, em grande escala, enriquecendo o trajeto que fazemos nas cidades por onde circulamos diariamente. No meio das duas, as intervenções de Mana como artista visual / plástica que são apresentadas em museus, tais como a tocante “impressão” de seu próprio corpo.
Se a poesia é apresentada neste livro como um capítulo à parte, é preciso lembrar que ela está impregnada no trabalho de Mana como um todo. A palavra nasce no cérebro, resulta de uma atividade mental. Os poetas são aqueles que escrevem com o coração. E em Mana, além de passarem pelo cérebro e pelo coração, se fazem concretamente por meio das mãos, e nisso ganham outra dimensão, que também nos toca.
Mas todas essas dimensões só existem e ganham sentido pela dimensão da educação. Mana usa sua arte e seu design para interagir consigo mesma – salvar-se, podemos dizer – e sobretudo interagir com as pessoas a seu redor. Não vem ao caso se essas pessoas são letradas ou iletradas; se são descolados ou caretas; velhos, jovens ou crianças – o fazer é uma forma de entrar em contato com o outro e compartilhar a possibilidade de transformação inerente a todo ser humano, que faz a nossa aventura no mundo ser tão fascinante, mesmo que por vezes tão dolorosa.
O que me surpreende é que Mana Bernardes tenha conseguido tudo isso tão cedo. E que sua trajetória – que começou ainda menina – já acumule um repertório tão intenso e extenso como o que podemos ver neste livro.
Adélia Borges é jornalista, curadora especializada em design e professora de história do design na
Fundação Armando Álvares Penteado (faap).