Mana Bernardes | Joias

por Antonio Bernardo

Tomei conhecimento do trabalho da Mana faz, mais ou menos, cinco anos e tenho acompanhado seu desenvolvimento, com interesse, desde então. O bate-papo que aqui segue ocorreu em uma noite de quinta-feira em seu ateliê. Foi em uma espécie de entrevista informal a melhor forma que encontrei para revelar seu trabalho como designer de joias, sabendo, entretanto, que ela circula, também, pelo mundo da poesia, da filosofia, do design e da educação, com igual desenvoltura. Sua abordagem e seu vocabulário inovam, surpreendem e encantam. Talvez o intenso contato que teve com os índios, enquanto ainda era jovem, moldou seu pensamento. O que é o mais precioso para ela, o essencial, é o ser humano. Com vocês, Mana.

— Eu faço joias. Então, a palavra joia, para mim, tem um significado pessoal. Minhas joias, contudo, possuem uma abordagem, um material bastante diferente das suas. Quando você fala de sua atividade com a joia o quê, exatamente, você está pensando, em termos de materiais, técnicas?

— Para começar, a joia, para mim, não é um fim, é um meio. E a palavra joia, nesse sentido, é menor tamanho para maior valor. É, portanto, um símbolo de valor para mim, e isso independe do material.

— Esse conceito, no qual o material não é o mais importante em uma joia, é contemporâneo. Eu queria saber, no seu caso, o que ele quer dizer?

— Quando digo que a joia é um meio, e não um fim, quero dizer que hoje posso fazer uma joia como faço outra coisa, porque estou interessada mesmo é no pensamento, você entende?

— É um meio no sentido de que o seu trabalho é idealizado de uma forma e acaba se transformando em outra? E em meio a esse processo onde está o aprendizado?

— É como se todas as joias que criei fossem maquete daquilo que, hoje, estou começando a fazer. Este caminho é um processo, porque comecei a fazer jóias quando criança, com 7 anos, e fui fazendo, fazendo… Acho que é por isso que minhas joias estão se transformando em outra coisa, virando escultura, instalação, trabalho de educação, sempre a partir de um pensamento poético. Existe uma frase muito importante nessa passagem, que vem impressa nas embalagens das minhas joias: “o poder de transformação é a joia do ser humano.” Essa frase simboliza o meu trabalho. É um pouco abstrato, Antonio…

— Abstrato?

— Sim, porque vejo o ser humano como uma joia, entendeu? Sou completamente desapegada das joias enquanto produto. Não gostaria de ter lojas, não gostaria de ter de lançar coleções todos os anos. A joia é um meio de expressão do meu pensamento, da minha emoção.

— A poesia, seu trabalho com joias e outras tantas coisas que você desenvolve possuem um sentido educativo, você concorda?

— É nesse sentido que acho a joia coisa preciosa, sabe? Como um símbolo muito importante para acessar as pessoas, porque tem a ver com a sensibilidade, com uma dimensão que é absolutamente humana.

— Por que ela fica no corpo, ela fica no outro?

— Você projeta uma joia para o corpo do outro. Há, neste sentido, uma relação. O design é uma questão com o corpo e como ele vai receber a joia.

— Você, em algum momento da sua vida, teve dúvida em relação ao que iria ser quando crescer?

— Muita angústia. Eu tinha grande dificuldade de aprendizado. Eu chorava, não entendia qual era o sentido da minha vida com aquele formato de ensino. Mas também acho que não adianta ter angústia superficial, tem que ter angústia profunda. Porque você pode passar a vida inteira com uma angústia superficial e não transformar nada. O dia em que chorei no banheiro da faculdade me fez compreender algumas coisas. O primeiro entendimento foi que eu teria de criar uma metodologia chamada história de vida através do objeto, história do objeto através da vida.

— Você já se reconhecia múltipla?

— Não. Porque achava que ser múltipla era insustentável. No fundo, ser múltipla é o que é sustentável. Ser um fragmento é insustentável. Eu tive oportunidade para ver isso, que foi a minha família me permitir ir.

— Seu processo de criação surge a partir de um conceito, de um ponto de vista?

— Na verdade, o começo é a poesia. Inicio uma coleção partindo da poesia. Escrevo um poema e ele vira uma joia. Mas, ainda assim, não dá para dizer que o processo criativo começa com um poema e vai para a joia. Não. Por vezes, começa com um material que se torna um poema e, depois, rapidamente, preciso criar um nome que, esse sim, exerce uma função poética. Então, por exemplo, “joias cotidianas”, além de um nome é, também, uma função poética. A função de que meu cotidiano seja uma joia e que, a partir do meu cotidiano, eu busque joias.

— E como você busca esses materiais?

— Eu cato materiais o tempo todo. Por exemplo, essa caixa de maçã é uma de minhas paixões agora. Trata-se de um trabalho novo que se chama desembrulho poético. O conceito apresenta a joia, que levo para outras plataformas; é o que estou desenvolvendo no momento. Agora estou nessa plataforma dos poemas. Porque isso não é apenas um produto, é um gesto. O gesto, nesse caso, é o Desembrulho Poético.

— Parece um tecido. Não é um tecido?

— É um papel de Kozo. É um material que estou pesquisando, é um processo. Fiquei dois anos sem fazer uma joia sequer, muito envolvida em instalações e projetos educativos, e, agora, estou desenvolvendo isso, que não deixa de ter um conceito de joia. A joia, para mim, é algo muito importante. Foi a primeira coisa que fiz em minha ida, com quem perdi minha “virgindade profissional”.

— É o início. É a semente.

— Não quero parar de fazer joias porque acho que, no fundo, tudo o que faço tem um quê de joia. Mas também tento ser coerente com meu momento. Desse modo, o desembrulho poético está fazendo mais sentido porque é uma forma de colocar os poemas e também de conseguir misturar com as minhas outras práticas. A palavra mistura é hoje muito importante, porque estou vivendo um momento de transição, saindo das joias para as Joias Gigantes que são as instalações, e as Joias Poesia. São desafios, escolhi isso.

— E como é dar valor ao que não tem valor?

— O primeiro material que procuro é o ordinário, o que vem do cotidiano. Tem a ver com sustentabilidade, no sentido de buscar materiais que são dispensados. São sobras de fábrica. Não porque eu goste, especialmente, de sobras, mas porque me fascina muito pegar um material ordinário e transformá-lo, esse é o desafio. Tenho muito orgulho quando inicio um processo, e trabalho de forma incessante no ateliê até que aquela coisa se transforme em outra.

— A joia, para você, é mais o simbólico ou o significado?

— Eu tive uma marca, por cinco anos, com a qual lancei sete coleções, batalhei para colocar essas joias no mercado, para entender que mercado era aquele. Então, quando minhas joias chegaram no MOMA, que era o lugar no qual eu mais queria vendê-las, falei “tá bom”, cheguei onde quis. Mas também sei que esse “tá bom” pode não ser definitivo. Pode ser que, em dois meses, aconteça alguma coisa e eu morra de vontade de fazer novas coleções. Mas meu lance não é empresarial, sabe, Antonio? É mais de pensamento. Estou gostando muito de dar consultorias, fazer objetos em série limitada, projetos visuais.

— Por que você põe um brinco, usa uma joia?

— Para me sentir bem. Sinto-me nua sem brincos. Para sair na rua, se eu não estiver com um colarzinho, eu acho que é até falta de respeito.

Antonio Bernardo é designer de joias e empresário.